Saboreio cada frase, sentido os odores, imaginando cada recanto de uma Paris de gente pobre, cafés onde se serve vinho que vem da província.
Perdi a cabeça e comprei 2 livros de George Simenon, na Casa da Achada a 0,50 € cada e comecei a ler “O corpo sem cabeça” de 1955.
Foi um perder a cabeça, pois não me faltam coisa para ler. Como por exemplo, "Normal People/Pessoas Normais" de Sally Rooney, uma escritora irlandesa de 30 e poucos anos. Já vi a série televisiva e é com expectativa que anseio conhecer o texto literário.
Só que Paris e o cachimbo de Maigret foram mais fortes.
Paris habita o meu imaginário desde sempre. As aulas de francês aos 12 anos de idade, os postais com a torre Eiffel, as músicas pontuadas com o acordeão, os quadros de Claude Monet, canais com barcaças, Edith Piaf, cheirinho a croissant estaladiços.
Ir a Paris, foi a materialização de muitos sonhos, como se as imagens dos postais saltassem vivas e eu pudesse entrar na doce cenografia das ruas e dos canais. Lá passei a minha lua-de-mel, de lá trouxe uma chávena comprada numa feira de velharias, onde tomo o café em muitos pequenos-almoços.
Simenon, um escritor belga, nascido em 1903, reconstrói através de cada palavra os odores de uma Paris a preto e branco. Vi, religiosamente, uma série nos anos 70, a preto e branco na RTP. Jean Richard era o ator que encarnava o Comissário Maigret. Nunca consegui acreditar nos outros atores, que tentaram, com muito esforço encarnar este personagem mítico, muito menos Roman Atkinson, Actor que muito admiro, mas não na pele do comissário parisiense. Uma heresia, na minha opinião.
Saboreio cada frase, sentido os odores, imaginando cada recanto de uma Paris de gente pobre, cafés onde se serve vinho que vem da província. Maigret, beberica e sente o leve sabor a pederneira. Adivinha-lhe a origem.
Há um corpo encontrado sem cabeça num dos canais de Paris. Quem é o assassino? Só lá para o fim saberemos. Talvez resultado do cruzamento de muitas misérias.
O cachimbo de Maigreit, teima em apagar-se. Sei o que é, pois já tive a pretensão de fumar cachimbo.
Com mais dois ou três livros de Simenon, talvez o vício regresse.
© Eduardo Rui Alves
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