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Foto do escritorEduardo Rui Alves

O Pisão dos afetos

Atualizado: 16 de abr.


Há abraços apertados, com uma boa dose de comoção. Cara virada para o lado, sem máscara. Vacinados, quase todos.

13 de Dezembro de 2021. Domingo de manhã. Manhã de Sol forte, temperatura amena para a época do ano. Quinta do Pisão, um parque natureza em Cascais, de 380 ha, da Câmara Municipal.

Um pisão é um engenho para pisar ou apisoar a lã para lhe dar a devida consistência. O nome ficou, por nesta quinta terem existido pisões que trabalharam a lã, em tempos recuados.


Agora é um parque natureza, “considerado internacionalmente um estudo de caso em matéria de conservação da natureza e biodiversidade e desenvolvimento de turismo responsável como contributo para a saúde e bem-estar das populações.”


Ao longo da pandemia de Covd-19, a quinta do Pisão foi refúgio de sanidade mental, para quem aqui vinha, para estar ao ar livre e proporcionar, em qualquer dia da semana um espaço de desafogo, sem máscara, a criança e adultos.


Neste domingo de sol agradável encontraram-se 4 casais de Sintra. Junto já não estavam há 2 anos.

Três dos casais terão entre e 30 e quarenta anos. Quatro crianças, 2 gémeos de 3 anos, outros dois de 4 e 6 anos de idade. O quarto casal é sexagenário. Pertenceram a um grupo de teatro amador, dirigidos pela professora, agora com 60 e tal anos.


Há memórias de muitas vivências passadas juntas desde a adolescência. Agora têm filhos pequenos, profissões diferentes.


Há abraços apertados, com uma boa dose de comoção. Cara virada para o lado, sem máscara. Vacinados, quase todos.


Fala-se dos filhotes, da angústia do confinamento, de saúde, das traquinices dos miúdos.

O tema vacina é apenas aflorado. Há formas de pensar diferentes entre estes 4 casais em relação às vacinas. Assim, o tema é contornado, foco provável de discordâncias. Não se fala de política também, nem de grandes temas da agenda nacional ou internacional. Falar, antes, do que une estes portugueses, dos afetos, dos filhotes.


São pais extremosos e atentos. Há uma gravidez anunciada e já visível no ventre que se destaca. Há sorrisos, ternura e contentamento. Vive-se uma tranquilidade que conjuga bem com o sol de uma manhã de domingo.


Chegada a hora do almoço há uma fome intensa e organiza-se a ida a um restaurante. Dois casais seguem para casa. Os outros dois casais vão mesmo a um restaurante. Há feijoada à brasileira, como prato central de um espaço com buffet ou self-service. Por 9€ pode-se encher o prato as vezes que o estômago permitir.


À porta, verifica-se a validade dos certificados de vacinação. Os telemóveis trazem uma aplicação do SNS (Serviço Nacional de Saúde) que exibe o dito certificado. A empregada do restaurante traz no seu aparelho uma aplicação que verifica a validade. Tudo bem, vacinados, podem entrar.


A comida é deliciosa. Numa mesa ao lado, a uma distância segura, uma viola toca acompanhando um homem com este sotaque, que vem, doce e melodioso, do outro lado do Atlântico. A canção fala de um Jesus que ensina a confiar e a amar.


Termina a refeição, mais um pretexto para passar um bocado juntos. Alimenta-se o corpo e aconchega-se o espírito e apazigua-se alma.


É repetir o convívio uma vez por mês. Mesmo que não venham todos, há que retomar rituais de encontro, agora mais ao ar livre.


Mas antes de sair do restaurante é preciso garantir que a criança faça xixi. Cumpre-se o ritual mictórico, com alguma resistência por parte da dita criança. Mas há sempre estratagemas que vencem as resistências frágeis de quem tem 4 anos de idade.


Mais abraços apertados. De coração cheio e estômago a abarrotar, parte-se em direção a casa.


No passado o pisão aconchegava a lã, tornando-a densa e garantindo que o burel aconchegaria e iria proteger o corpo do frio. Mas um encontro entre gente nossa, seja com ou sem pandemia, é pisão que traz outras consistências.


E o Sol continua a dar cor a este domingo.


Não será o Sol também um pisão, que traz consistência aos afetos?


© Eduardo Rui Alves

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