top of page

Temos que ser inteligentes (# 192)

21.mar.2020
Ser Inteligente.png

Eu até diria, que seria mais inteligente sermos mesmo inteligentes em vez de tentar apenas ser inteligente. Esta coisa de tentar ser, cheira a manha portuguesa. 

A frase fica sempre bem em qualquer circunstância.

 

Temos que ser inteligentes.

Normalmente utilizamos esta frase quando não sabemos o que dizer e queremos passar por pessoas razoavelmente dotadas intelectualmente.

 

Temos que ser inteligentes.

 

Depois tem a vantagem de poder ser dita de várias formas e com diferentes cadências, dando um significado também diferente, consoante o contexto.

 

Por exemplo, pode soar como uma ameaça: Temos que ser inteligentes! Aplica-se como resposta a outra ameaça prévia. Podemos utilizar esse tom se formos ameaçados por uma entidade mais forte e prepotente. Se a nossa reação não poder ser imediata, face ao poderio da entidade ameaçadora, a única solução é fazer de forte e ameaçar que, para a próxima, vai-se ser inteligente, o que é o reconhecimento da falta da dita cuja, no momento presente.

 

Também a frase pode ser dita em tom matreiro. Como a querer dizer que temos uma solução brilhante para o problema, mas que não vamos contar a ninguém, já que na verdade não sabemos o que fazer.

 

Temos que ser inteligentes.

 

E há ainda o modo filosófico. A ideia é repetir a frase duas vezes. A primeira vez de rajada, para chamar a atenção e a segunda vez de forma mais pausada a dar ares de uma certa profundidade.

 

Temos de ser inteligentes. Temos que ser... in-te-li-gen-tes.

 

Mas a forma mais inteligente é usá-lo como mantra pessoal.

 

A malta da programação neurolinguística, já percebeu aquilo que os exércitos e a religião já sabiam há muitos séculos. Se repetires um disparate, arrisca-te a acreditar no que dizes.

 

Dizer “Temos que ser inteligentes” é um bom truque.

 

Os livros de auto-ajuda que explicam como ter sucesso na vida, lembram que é importante ter um mantra pessoal, ou seja, ter uma frase que possa ser repetida até à exaustão para nós próprios e para os outros ouvirem.

 

Ora “Temos que ser inteligentes” é o melhor mantra que se pode ter. Se não der para ficar mesmo inteligente, ao menos, há a esperança de começarmos a acreditar nisso, o que no mínimo pode ser bom muito para a nossa própria saúde mental.

 

Sempre é melhor do que ter aqueles mantras que todos nós repetimos do tipo “Tem que ser...” ou “O que tem que ser tem muita força...” ou ainda “O que é que se há-de fazer?” ditos normalmente em tom de lamentação. São mantras muito perigosos, pois conduzem-nos a um beco sem saída de enorme conformismo. É meio caminho andado para a depressão. Em resumo, é não sermos inteligentes.

 

Atenção aos puristas da língua. Há uma interessante discussão no Ciberdúvidas sobre se se deve dizer “temos que” ou “temos de”. Eu prefiro “Temos que”. A acreditar em Maria Regina Rocha, autora do livro “Cuidado com a língua!” e de 189 artigos no Ciberdúvidas, seria mais correto dizer “temos DE ser inteligentes”. Seria decerto mais inteligente da minha parte utilizar esta forma. Só que utilizar o “que” dá uma força tremenda à expressão. Que me perdoe Maria Regina Rocha, pelo meu erro. Mas em matéria de erros, acho que estou bem acompanhado, pois segundo Maria Regina, Marcelo Rebelo de Sousa, a 17 de abril de 2005, pelas 21h30, terá caído muitas vezes no erro de recorrer à forma “Ter que” em vez de “ter de”. Valha-me Edite Prada,  que, em outubro de 2008, achava que as duas expressões seriam equivalentes. Vejam como sou inteligente a defender-me previamente dos puristas da língua. Já calei um amigo meu que vem sempre com a conversa de falar bem o português.

 

“Temos que ser inteligentes” só não serve para os funerais. Perante a morte de alguém não vale a pena sermos inteligentes. A morte é, até, a verdadeira entidade democratizadora. Perante ela, pobres e ricos, inteligente e menos dotados, hippies e benzocas, malta de esquerda e mesmo milionários sucumbem nos braços frios da grande ceifadora da vida.

 

“Temos que ser inteligentes” deve ser antes utilizada quando estamos à rasca. E neste momento, não só cada um de nós estará razoavelmente à rasca, mas como está à rasca a Humanidade como um todo. Não só temos que dizer várias vezes ao dia “Temos que ser inteligentes” como na verdade temos que tentar ser mesmo inteligentes. 

 

Eu até diria, seria mais inteligente sermos mesmo inteligentes em vez de tentar apenas ser inteligente. Esta coisa de tentar ser, cheira a manha portuguesa. Se não conseguir, ao menos fico bem na fotografia. Ora, vale a pena seguir o exemplo do homem mais inteligente deste século XXI. Refiro a Barack Obama, que logo para azar dos racistas branco, era um negro bonito, charmoso e sobretudo inteligente. Obama não tentou. Decidiu-se e foi mesmo e a todos disse: We can do it. A que acrescentaríamos nos tempos que correm “at home”. Em bom português seria “A malta consegue, mas em casa”

 

E aí é que a porca torce o rabo, porque passado uma semana de quarentena em Portugal, não sabemos, na verdade, como ser inteligentes. 

 

Os aprendizes de liderança gostam de frisar que os problemas devem ser transformados em desafios. Digo os aprendizes, pois os verdadeiros líderes, não frisam, agem e lá nos enganam a todos.

 

No mundo empresarial diz-se “transformar os problemas em oportunidades”.

Que me desculpem, os ouvintes, mas passados oito dias fechado em casa, não consegui ainda ver o desafio ou sequer a oportunidade. Mas também não devo ter queda para líder nem para empresário.

 

Talvez que daqui a uma semana, superado o desafio e vislumbrada a oportunidade, eu consiga, finalmente ter um rasgo de inteligência.

 

Entretanto, resta-me apenas repetir a frase que elegi para meu mantra pessoal, agora em tom filosófico, a dar uma nota de esperança.

 

Atenção:

   Temos que ser inteligentes (de forma rápida).

   (Agora mais lentamente.)

   Temos... QUE... ser in-te-li-gen-tes.

 

E acrescento: "A malta vai conseguir...mas em casa."

©Eduardo Rui Alves

bottom of page