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A mudança e o PPR  (# 188)

8.fev.2019
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Mas então porquê, mais uma vez a pergunta, este desânimo perante a constante perspetiva de mudança?

 - Maria, estive a pensar – dizia um ator conhecido das primeiras telenovelas portuguesas. Estávamos nos anos 80 e era assim que começava a publicidade de um curioso e, na altura, inovador produto financeiro: os Planos Poupança Reforma. O casal teria aí pelos 50 anos de idade e a ideia a passar é que seria de bom senso por uns dinheiros de lado a acrescentar à reforma, que isto do estado social já estava a ficar mal visto. À luz do que sabemos hoje seria uma premonição do crescimento do neoliberalismo financeiro que anos mais tarde se viria a impor.

Mas ideia estava lá: preparar a velhice. E o termo “PPR” tornou-se sinónimo que antevisão, de prevenir ou de garantir os últimos tempos desta vida que inevitavelmente um dia nos deixará. 

 

Sempre que me encontrava com os meus primos, perguntávamos uns aos outros: “Já tens dívida na Caixa?”. Dizíamos que um dia perguntaríamos “Já fizeste o PPR?”

Ora, o conceito de PPR impõe-se não só pela necessidade de garantir algum desafogo económico, mas sobretudo de garantir um estado de conforto, de saúde, de bem-estar e de completa integralidade de todas as nossas funções vitais. Enfim, ter uma velhice descansada, lúcida e sem muitas dores.

 

Nesta perspetiva, um bom PPR é sobretudo organizar a nossa vida para que a velhice tenha este conforto.

 

Há um interessante estudo iniciado há 75 anos na Universidade de Harvard. Entrevistas regulares a 600 pessoas e depois aos seus filhos realizadas ao longo de oito décadas. Começou em 1938 com 700 estudantes e moradores nos arredores de Boston. O estudo prolongou-se ao longo da vida destes entrevistados, a elementos da sua família, nomeadamente os seus descendentes.

 

As conclusões apontam em vários sentidos: o poder terrivelmente destruidor do álcool e das depressões, mas a tremenda importância das relações pessoais que vamos construindo ao longo da vida. Lanços fortes, parece valerem mais do que dinheiro ou estatuto social.

 

Robert Waldinger, um dos diretores deste estudo, afirma que: “O que descobrimos é que, no caso das pessoas mais satisfeitas em seus relacionamentos, mais conectadas ao outro, o seu corpo e cérebro permanecem saudáveis ​​por mais tempo” Em resumo: “Good genes are nice, but joy is better”.

 

Mas há uma pequena particularidade que este estudo aponta. Os hábitos adquiridos até aos 45 anos são decisivos para o resto da vida, exatamente porque é difícil mudá-los a partir daí. Portanto é de grande importância adquirir os hábitos ou o estilo de vida certos a partir dos 40 anos de idade, porque depois vai ser difícil mudá-los.

 

Vem tudo isso a propósito do nosso desânimo perante o facto de as mudanças se sucederem vertiginosamente no nosso dia a dia, nos dias que correm. Imediatamente a seguir, há alguém que diz que antigamente é que era bom, que isto-agora-está-tudo-cada-vez-pior. O divertido da situação é que consultando textos antigo, escritos à muitos séculos atrás, ou mesmo alguns milénios, a conversa era a mesma. 

 

Do outro lado do planeta, chega-nos um texto escrito à pouco mais de 2000 anos. Logo nas primeiras linhas diz-nos o seguinte: “Hoje em dia as pessoas são muito diferentes. Não se recuperam a si próprias de forma a preservar a sua saúde.” O texto pode ser encontrado no livro do Imperador Amarelo, uma obra que contêm os princípios da Medicina Chinesa. É escrito como se decorresse um diálogo entre o Imperador Amarelo e o seu médico Qi Bo. Claro que nas entrelinhas está a velha ideia: “Antigamente é que era bom...”.

 

A grande contradição é que um olhar atento à nossa volta permite vislumbrar dados muito positivos e esperançosos. A fome e a guerra já não são as inevitabilidades de há séculos atrás. Em boa verdade, morre-se mais de obesidade do que em conflitos de guerra.

 

Então porquê este desânimo? Esta desilusão?

 

Um velho amigo meu dizia, sempre com um toque de ironia que “a culpa é dos contos de fadas e dos filmes da Disney”. Na verdade, quer uns, quer outros, passam a ideia de que no fim tudo vai permanecer igual e durante muito tempo. Há sempre um príncipe giraço e uma princesa boazona que atravessam diversas peripécias, mas depois casam e são felizes para sempre.

 

Tentando introduzir uma nuace no discurso habitual escrevi na escola uma composição que ironizava com as histórias de amor que acabam sempre bem. Terminei a história com a frase “E viveram felizes... por muito tempo”. A professora riscou e perguntou: “Então não foi para sempre? Divorciaram-se depois de velhos?”

 

Na verdade, no ocidente há tendência para pensar de forma exponencial. Ou seja, quanto surge um fenómeno, achamos que ele se desenrola em crescendo até atingir a catástrofe ou o orgasmo infinito. Ora, um olhar mais atento, dir-nos-á que muitos fenómenos que nos rodeiam desenrolam-se de uma forma muito diferente. Ou seja, muitos fenómenos, quer físicos, quer sociais, decorrem de forma cíclica. Digamos que o período de crescimento de qualquer fenómeno, contêm em si a génese da fase seguinte que será inevitavelmente de decréscimo. É caso para dizer que a vida contém a génese de toda a mudança.

 

“Nada é permanente, exceto a mudança” dizia Heraclito, o filósofo grego que viveu no séc. V a. C..

 

Mas então porquê, mais uma vez a pergunta, este desânimo perante a constante perspetiva de mudança?

 

A questão é mais profunda. Na verdade, o que vivemos neste momento é um período de intenso desgaste físico e emocional. E porquê, mais uma vez a pergunta? Porque provavelmente não assumimos que somos entidades biológicas, que temos necessidades de natureza nutricional que acabam por não ser devidamente satisfeitas ou necessidades de descanso que relegamos para segundo plano, depois de mil e um compromissos, que, alegadamente são prioritários.

 

https://robertwaldinger.com

https://www.bbc.com/portuguese/curiosidades-38075589

https://news.harvard.edu/gazette/story/2017/04/over-nearly-80-years-harvard-study-has-been-showing-how-to-live-a-healthy-and-happy-life/

© Eduardo Rui Alves

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