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O caos e a ordem

A ordem e a organização estará associada a um certo sentido do outro e do todo? Será o caos consequência de um triste individualismo?

Há um supermercado a 40 km de Lisboa onde, dizem, o gerente é um francês.

Não sei se é verdade, mas o supermercado é um exemplo de organização e de bom funcionamento. Há uma excelente qualidade na carne e nos frescos. Tudo está limpo e com bom aspeto. Os funcionários são simpáticos, bem dispostos e parecem estar bem consigo próprios. Tudo porque o gerente é francês?


Abriu nos arredores de Sintra, um novo supermercado, da mesma marca de franchising. Mas a qualidade é outra. E isso porque, aqui, o gerente já não é francês?


Tivemos ocasião de viajar por alguns países da Europa. Pela França passamos várias vezes, viajando sempre de carro. Pernoitamos em Dax, uma comuna francesa na Aquitânia, no sudoeste da França. Ao passarmos junto a um hotel, vislumbramos pelos vidros da fachada, hóspedes de roupão a descerem para as caves do hotel. Na verdade, trata-se de uma região termal. No subsolo haverá muita água quente para terapia e relaxamento.


São cerca de 20 km2 onde vivem 20.000 habitantes. Havia no início do séc. XXI muitas casas em ruínas e abandonadas. No entanto, as ruínas pareciam estar limpas e organizadas. Visitamos a zona central da França: La Creuse, uma das zonas mais pobres deste país. Um cartaz dizia: "Pobres em França? Eles existem..." dando conta da surpresa que os próprios franceses poderão ter perante alguma pobreza existente no país. No entanto, numa pequena aldeia, com fortes evidências de pobreza, com casas em ruínas, também há sinais de surpreendente organização.


Já Itália é outro caos. Florença tem palácios a cada esquina, mas a pobreza está lá. O caos, alguma desorganização e sujidade é patente, um pouco por todo o lado. E no entanto, há o belo, a arte e a história por todo o lado.


Portugal muito mudou ao longo dos últimos 50 anos. A exposição de Eduardo Gageiro patente na Galeria Municipal da Cordoaria Nacional em Lisboa dá conta do contraste entre 1974 e os últimos anos deste ciclo de meio século. Passando por muitos municípios, há uma grande organização e uma atenção aos pormenores. A qualidade de vida em muita zonas do país aumentou significativamente. Invejo a tranquilidade e os novos equipamentos sociais de muitas cidades portuguesas. Arouca é uma espanto e Ponte de Sor é uma maravilha.

De onde vem o sentido de ordem e organização de um território como a França? Porquê alguma falta de organização em países como Portugal e Itália?

Será uma inevitabilidade latina?

Mas então, porque Portugal parece já ter mudado? Pelo menos em parte…


Será a escola que molda nas crianças e nos jovens este sentido de organização ou de caos?

A ideia de organização parece ter estado associada é tiques de autoritarismo. A revolução de Abril de 74 trouxe a esperança da liberdade. Os eighty (os nascido na década de 80) cresceram na ideia de que liberdade é a recusa das normas. Lembro-me de uma discussão com um aluno adolescente nos anos 90, acerca do significado de uma dada palavra. Depois de muitas considerações sobre a etimologia de uma palavra, o adolescente virou as costas, dizendo "Para mim, o que esta palavra significa é...". E acabou a discussão.


O que este eighty não tinha ainda compreendido é que o significado de uma palavra necessita de ser aceite pelo conjunto dos falantes. Se cada palavra tiver um sentido diferente para cada pessoa, a comunicação não existe.


Nesta simples reação de um adolescente ao significado de uma qualquer palavra, está em causa a toda a perceção da dimensão social da nossa vida.


Olhar à volta e percecionar o sentido do todo social, seja no significado de uma palavra, seja na necessidade de assumirmos uma certa ordem. E isso parece ser ser fundamental para a satisfação das nossas necessidades, mesmo as mais individuais.


 Mas será que um dos traços da nossa portugalidade passa por este constante individualismo, que conduz a um certo caos no plano social?


É muito interessante observar como são colocados os carros nos parque de estacionamento no início do dia, quando estes locais estão ainda vazios. Estaciona-se de qualquer forma. Será de novo a não-perceção da dimensão social?


Quando um grupo de alunos sai da sala de aula e, cá fora, se pede para formar um semicírculo, é ver a dificuldade com que, crianças de 11 anos, se alinham. Parecem fechados na sua própria bolha, incapazes de perceber, que dispostos de uma dada forma, todos poderão ver e ouvir melhor.


A ordem e a organização estará associada a um certo sentido do outro e do todo? Será o caos consequência de um triste individualismo?


E o que pode a escola fazer para, no mínimo, tornar os seres humanos, que por aqui habitam, mais conscientes destas dinâmicas?


Já agora: o gerente no supermercado... afinal não é francês. Equívocos...

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